sábado, 1 de fevereiro de 2014
Muito, meu Amor
Eu sou o que tu quiseres. Queres? Quando quiseres, não queres? Quando me encontraste, já não sabias o que procuravas? Só de longe o soubeste, e agora esqueceste? Não fomos feito para o amor, acrescentas agora? O que não quer dizer que não possamos amar-nos sempre outra vez, e pode ser mesmo a única coisa digna que nos resta? Não foi para isso que fomos feitos, então? Não fomos feitos para o que quer que seja, nascemos, crescemos, envelhecemos, morremos e é tudo, e é mais do que o suficiente? Interessa o quê, o que é que interessa, diz-me, quando o barco começa a naufragar? A atitude dos passageiros? Se começam a cantar ou a chorar, ou simplesmente continuam a fazer o que estavam a fazer? Saber que o barco vai naufragar e continuar? O que interessa é a atitude, insistes, mais não podemos? Não podemos fazer nada mas podemos mudar tudo, é isto que queres dizer? Começar por nós, terminar em nós? Mudar-me a mim e mudar o mundo, como é isso? Começar por mim e acabar em mim e mudar tudo à minha volta, como assim? Se já reparei? Que ao tornar-me melhor o mundo fica melhor? E ainda me pedes que não tenha medo e deixe de esperar o impossível? Que o barco pelo qual espero para me levar daqui para fora não vai chegar nunca? Que o barco por que espero é o barco em que vou? Quando partiu esse barco, gostava eu de saber? Há muito? Antes de mim? Mesmo sem mim? E vai naufragar, de qualquer modo vai naufragar? E que todos os que passaram aqui o souberam, e mesmo assim isso não impediu de fazer o que tinham a fazer? Que não sou só eu? Que uma corrente nos leva? Uma corrente de palavras? Uma corrente de amor? Passar o que por nós passa, que o que passa nem é meu, nem teu, nem nosso, nem as palavras, nem o amor? Passar isso o melhor que possa, e mais nada senão isso? Queres que me cale?
Pedro Paixão
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