Um simples devaneio "literário"... Palavra!
Era uma vez uma palavra que vivia só, terrivelmente só! Não percebia como era possível encontrar-se tão só num universo de folhas tão vasto, como há pouco tinha visto que era o seu, num documentário na televisão. Eram folhas e folhas naquele bloco conhecido e desconhecido, até aos confins das argolas que o rematavam
! Como podia então não haver outras palavras, só ela, palavra!? Palavra que era estranho e triste, pois ansiava encontrar-se com outras, trocar significados, nem que fossem antónimos. Fazer metáforas era o seu sonho, participar em hipérboles o seu anseio, mas como poderia, se estava tão só?!
Ela palavra, palavra, de folha em folha, mas nunca via uma igual, só o vazio da folha. E palavra um pouco mais, persistente, mas ninguém escrevia, ninguém falava! E assim, palavra cada vez menos ao percorrer folhas imaculadas nas quais deixava a sua mancha.
Queria formar outras palavras, legar a sua herança, com medo que a simples existência naquele universo de folhas por escrever, de histórias por contar, não fosse suficiente para a saberem soletrar ou mesmo memorizar.
Um dia, quando nada o faria prever, ao transitar de uma folha para outra, avistou algo... um risco! Ainda pensou que pudesse ser uma palavra mal acabada, escrita à pressa, mas não, não passava de um risco! Um risco que não falava, não significava nada, não se podia traduzir! Um risco apenas! E ela que desejou tanto ver ao menos um risco por aquelas folhas em que deambulava, perdida, apenas um risco... Ainda assim, deixou-se estar à espera de mais, talvez quem o fez voltasse e desenhasse uma palavra! Assim, permaneceu, parada mas inquieta, por muitas e muitas folhas, tantas que a serem escritas equivaliam já a capítulos inteiros!
Até que um dia, incomodada, deu por si a amar aquele risco! Aquele risco que não falava, não tinha significado, não constava no dicionário. Como ele não falasse, nem consentisse ou deixasse de o fazer, tomou a iniciativa de começar a namorá-lo e, mais tarde, pediu-lhe para casar. Ao que ele assentiu, sem dizer palavra! Ela não desistiu e, pouco tempo depois, estava grávida! Uma palavrinha vinha a caminho! Uma palavrinha, depois de tantas folhas sozinha! A emoção era muita e nem o facto de a pequena palavra nascer rasurada, pelas semelhanças com o pai, lhe tirou o sorriso. As folhas começaram a povoar-se de inúmeras palavras, pois se ela, palavra, era uma procriadora, apenas comparável às cerejas, e o pai nem opinava! Palavras diferentes entre si, mas sempre com uma marca inconfundível: todas rasuradas! Depressa se encheu um caderno de palavras rasuradas que, de tantos riscos, não deixavam que ninguém as lesse.
Um dia, alguém encontrou o caderno e, olhando estupefacto para tantas rasuras, achou que o autor das palavras já não o queria, ou estava profundamente arrependido do que escrevera e, por isso, as rasurara.Pensando que tudo aquilo não passava de um erro, e não de uma obra da Mãe-Literatura, deitou fora o caderno! Ecológico como era, livrou-se dele no Ecoponto e, finalmente, a palavra pôde conviver com outras, escritas em inúmeras outras folhas, à mão e à máquina, com tantas histórias para contar! Percebeu assim que não estava só, antes fazia parte de um enredo que tinha lugar noutras galáxias de folhas longínquas, agora aproximadas por um (in)feliz acaso.
Palavra de honra que esta história é real! Palavra!!!
2 comentários:
Não posso dizer-te que fiquei estupefacta com o que li no teu blog, pois já sabia que tu escrevias bem. Apraz-me ver que escreves tão fluentemente!
Parabéns pela tua "verbosidade" e continua nesse caminho onde irás encontrar muitas alegrias!
Um beijo grande da mãe!
Foi mesmo a mamã linda que escreveu o comnetário acima, juro! Apenas não é blogger, por isso não tem username.
Com uma mãe assim, já viram onde fui buscar a veia... (eu e os outros que da barriguinha dela saíram - e ao todo somos quatro!)
Beijinhos, continua a ler!
Filha
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